Violência e Homossexualismo

 

Valéria Amim - Universidade Estadual dede Santa Cruz/UESC – Ilhéus/BA

Christiana Cabicieri Profice – Universidade Estadual dede Santa Cruz/UESC – Ilhéus/BA

Resumo:

Este trabalho busca examinar a questão da violência ao homossexual, inserindo nessa discussão referenciais sócio-antropológicos, mediados pela teoria das representações sociais. São abordados os conceitos de relação e de alteridade, visto que a idéia de relação e de reciprocidade só existe a partir do reconhecimento do outro, onde a impossibilidade de trocas e de processos de reciprocidade, podem produzir impasses sócio-culturais e irrupções de violência no interior dos grupos/sociedades ou entre eles. Consideramos que a vida social produz-se na heterogeneidade, onde a negociação da realidade resulta do sistema de interações sociais, a partir das diferenças e pela presença constante do potencial de conflito, visto que intolerância à homossexualidade, a hemofobia, tem-se apresentado das formas mais diversas, como: chacotas, agressões simbólicas e físicas, omissão da lei e etc; configurando um quadro de violência que chega a barbárie. A maneira como os brasileiros lidam com o homossexualismo, possivelmente é reflexo de suas tensões e problemas (inclusive de natureza sexual) não resolvidos. O homossexual representa no imaginário coletivo o grupo mau. Os aparelhos ideológicos do estado, a escola, a família, a igreja e os meios de comunicação têm feito seu papel no sentido de alimentar esse imaginário e fomentar a violência brutal aos homossexuais de tal forma, que coloca-os na posição de não gente. Pudemos verificar que A violência produzida contra os homossexuais em nossa sociedade não se relaciona apenas à desigualdade, à diferença, mas ao fato de esta ser acompanhada de um esvaziamento de conteúdos culturais, destacando-se os éticos, no sistema de relações sociais.   Com o objetivo de melhor alcançar a problemática de modo ilustrativo realizamos uma análise da violência brutal ao homossexual, protagonizada na canção de Chico Buarque de Holanda “Geni e o Zeppelin” do álbum a “Ópera do malandro”, baseado na “Ópera dos Três Vinténs” de Brecht. A Música narra uma pequena história em que o marginalizado é um homossexual, que durante o dia é Genival, e que de noite se transveste em Geni. A partir das considerações realizadas, concluímos que é necessário criar as condições propícias para a emergência de novos paradigmas, onde o fazer social reflita uma alteridade fundamentada no resgate de uma ética comprometida com o processo de inclusão social das minorias, é também preciso instaurar na sociedade brasileira um sentimento de indignação que gere a denúncia e desbanalize as formas veladas de violência a qualquer segmento social e, nesse caso, ao homossexual.

Palavras-chave: violência, homossexualismo, alteridade, ética e exclusão social

 

Autor principal: Valéria Amim

e-mail: vamim@zipmail.com.br

Violência e Homossexualismo

 

Valéria Amim - Universidade Estadual de Santa Cruz/UESC – Ilhéus/BA

Christiana Cabicieri Profice – Universidade Estadual de Santa Cruz/UESC – Ilhéus/BA

 

Autor Proponente: Valéria Amim.

Endereço: Rua 6, nº83 - Jardim Pontal. Ilhéus BA 45650000 Tel. 73-2317385

e-mail: vamim@zipmail.com.br

 

Resumo: Aborda questões relativas a violência contra homossexuais numa perspectiva sócio-antropológica, mediada pela teoria das representações sociais, destacando os conceitos de violência, de reciprocidade, de alteridade, de ética e de negociação da realidade, a partir das representações sociais do homossexualismo e das implicações produzidas no contexto de exclusão social.

Palavras-chave: violência, homossexualismo, ética e exclusão social.

 

VIOLENCE AND HOMOSEXUALITY

Abstract: It approaches relative subjects the violence against homosexuals in a partner-anthropological perspective, mediated by the theory of the social representations, highlighting the violence concepts, of reciprocity, of ethics and of negotiation of the reality, starting from the social representations of the homosexuality and of the implications produced in the context of social exclusion.

Word-key: violence, homosexuality, ethics and social exclusion.

 

 

Este trabalho busca examinar a questão da violência ao homossexual, inserindo nessa discussão referenciais sócio-antropológicos, mediados pela teoria das representações sociais[1]. Nos parece crucial levantar a questão da alteridade, visto que, a consciência do outro, apresenta-se como a consciência da diferença, constituindo-se num problema de proporções históricas, econômicas e culturais de contínua importância na vida coletiva e comunitária.  As relações estabelecidas entre o eu e o outro produzem situações onde se percebe a presença do medo, da segregação e da exclusão. A noção de outro remete à diferença como constitutiva da vida social, pois ela é produzida através da dinâmica das relações sociais.

Para essa discussão o conceito de relação[2] também é fundamental, não só por estar presente na esfera cotidiana, mas, por constituir-se em nossa proposta, numa forma de leitura. Relação na reflexão filosófica, seria o ordenamento (intrínseco) de uma coisa em direção a outra. Isto é, uma realidade que para poder ser necessita de outra, senão não é (Sá,1996) . Dessa maneira, a vida social produz-se na heterogeneidade, onde a negociação da realidade resulta do sistema de interações sociais, a partir das diferenças e pela presença constante do potencial de conflito. Assim, a idéia de relação e de reciprocidade só existe a partir do reconhecimento do outro, onde a impossibilidade de trocas e de processos de reciprocidade podem produzir impasses sócio-culturais e irrupções de violência no interior dos grupos/sociedades ou entre eles (Velho, 1996:10). Portanto, as relações sociais resultam de processos de interação e de negociação, centrados na percepção de várias formas de alteridade relacionados às diferenças entre os sujeitos, suas visões de mundo, perspectivas, interesses e sobretudo,  aos múltiplos modelos de construção da realidade.

 Para ilustrar a violência brutal ao homossexual, nos parece exemplar a canção de Chico Buarque de Holanda “Geni e o Zeppelin” do álbum a “Ópera do malandro”, baseado na “Ópera dos Três Vinténs” de Brecht. A Música narra uma pequena história em que o marginalizado é um homossexual, que durante o dia é Genival, e que de noite se transveste em Geni. A cidade é o seu carrasco, excluindo-a e agredindo-a das formas mais perversas, desveladas sob as diversas representações sociais acerca da homossexualidade. Os versos a seguir ilustram essa realidade:

“Joga pedra na Geni

Joga pedra na Geni

Ela é feita pra  apanhar

Ela é boa de cuspir

Ela dá pra qualquer um

Maldita Geni.”

 

A rejeição social à imagem produzida pela personagem Geni foi comentada da seguinte forma pelo autor:

 (...) “O que eu ouvi por causa da música Geni e o Zepellin, foi impressionante: desaforos, insultos, fiquei profundamente identificado com as personagens, as pessoas que jogavam pedras na Geni eram as mesmas que reclamavam dela e por conseguinte de mim, que nos agrediam de uma forma implacável” (apud Carvalho, l982).

 

Nesse comentário da música, Chico Buarque conseguiu captar com maestria um fenômeno social: o homossexual vem sendo tratado como o esgoto da sociedade ocidental contemporânea.

Segundo Mott (in Velho, 1996), o Brasil é o país campeão de assassinatos de homossexuais, e ainda, entre todas as minorias são os mais odiados. A intolerância à homossexualidade, a hemofobia, tem-se apresentado das formas mais diversas, como: chacotas, agressões simbólicas e físicas, omissão da lei e etc; configurando um quadro de violência que chega a barbárie.

Que causas motivariam a violência praticada contra o homossexual? A antropologia e a história vão buscar explicar a rejeição a homossexualidade resgatando expressões como: – “prefiro ter um filho morto que homossexual”. Nesse momento, percebe-se a repetição de normas e de leis que se cristalizaram através de mitos e que vêm sendo reforçadas ao longo do tempo pelo senso comum. É o caso de Javé, quando fez o seguinte decreto: “(...) o homem que dormir com outro homem como se fosse mulher deve ser apedrejado”.  Por gerações e gerações nossos antepassados aprenderam na Bíblia, no catecismo, na inquisição, que homossexual tem que morrer.(Mott, apud Velho, l996). No caso do Brasil, os homens brancos, donos do poder, precisavam exercer um machismo ainda mais violento, devido a grande maioria de negros e índios que mantinham sob seu domínio. Portanto, o machismo latino americano fruto da escravidão, tornou-se mais violento que em outras partes do mundo.

 Segundo Chineli (apud Velho, 1985) o homossexual é tido como um desviante. Cada grupo cria suas regras específicas, que são impostas aos membros com menor poder de influência social, visando a manutenção do status quo. O desvio, portanto, é uma invenção da própria sociedade, que tem por finalidade o controle social. Para justificar a punição do desvio, o corpo social desloca a culpa para a vítima, quando considera que o homossexual é portador de um estigma, que justifica situações de discriminação – Teoria do Estigma, de Gofman. O que significa que existe uma ideologia para explicar a inferioridade, e dar conta do perigo que representa o homossexual.

Em consonância com a teoria das representações sociais (Joffe, l995), afirma que:

 “(...) as mudanças no ambiente social, produzem insegurança nos sujeitos, que por sua vez exacerbam conflitos de identidade não resolvidos. Quando as pessoas ligam práticas aberrantes a um “outro”, já não faz-se mais necessário deparar- se com os conflitos que também lhes pertencem.”

 

A maneira como os brasileiros lidam com o homossexualismo, possivelmente é reflexo de suas tensões e problemas (inclusive de natureza sexual) não resolvidos. Ainda segundo essa autora, cada grupo social tem vários depositários, grupos indefesos, como alvos potenciais para projeção dessas tensões e problemas não resolvidos. Ocorre que a ideologia dominante tende a propagar imagens de alguns grupos específicos como sendo o seu “outro” total. Nas sociedades ocidentais um dos grupos que tendem a ocupar esse lugar é o homossexual. Experiências subjetivas e internas são parte e parcela desses posicionamentos sociais, porque a projeção de ações socialmente inaceitáveis sobre outros está relacionada a sistemas de defesa primários, que permanecem no sujeito durante toda a sua vida, e são reativados quando a pessoa experimenta situações de impotência em relação a objetos do mundo externo(Klein,apud Joffe, 1995). Daí a separação de objetos em bons e maus,  feita no processo de formação da identidade e  gerada também por divisões ocorridas na história de suas respectivas sociedades.

O homossexual representa no imaginário coletivo o grupo mau. Os aparelhos ideológicos do estado, a escola, a família, a igreja e os meios de comunicação têm feito seu papel no sentido de alimentar esse imaginário e fomentar a violência brutal aos homossexuais de tal forma, que coloca-os na posição de não gente.

Na verdade, de pouco adiantará a discussão acadêmica se não transformarmos as nossas práticas, ou ainda, as nossas implicações com essa prática.  Nesse momento, faz-se necessário salientar que toda questão prática implica e traz consigo a dimensão ética. Toda nossa postura implica numa dimensão ética. Como afirma Dussel

“ É ao reconhecer o “outro”  como “dis-tinto”, estabelecendo relações de diálogo, construtivistas, de conversão, é nisso que consiste toda eticidade da existência. E nossa ética vai se diferenciar conforme nossa relação diante do  outro ”. ( In Guareschi. 1998:98)

 

As situações vivenciadas pelos homossexuais deflagram injustiças, que em parte, são oriundas de determinada visão de ser humano que é defendida pelo modelo hegemônico, produzindo práticas bem diferenciadas que vão da violência velada a não velada. Distintas formas de dominação, nesse caso a ocidental, expressam e produzem valores, de forma a promover uma negociação permanente, mesmo quando representados socialmente como imutáveis e naturalizados. 

Tanto nos fenômenos de reprodução social, como no de mudança e de ruptura, observa-se a relação entre a violência física com as formas de dominação e seus diversos níveis de legitimação.

A violência produzida contra os homossexuais em nossa sociedade não se relaciona apenas à desigualdade, à diferença, mas ao fato de esta ser acompanhada de um esvaziamento de conteúdos culturais, destacando-se os éticos, no sistema de relações sociais.  

Portanto, é necessário criar as condições propícias para a emergência de novos paradigmas, onde o fazer social reflita uma alteridade fundamentada no resgate de uma ética comprometida com o processo de inclusão social das minorias, é também preciso instaurar na sociedade brasileira um sentimento de indignação que gere a denúncia e desbanalize as formas veladas de violência a qualquer segmento social e, nesse caso, ao homossexual.

 

Bibliografia:

CARVALHO, Gilberto de. Chico Buarque: Análise poético musical. Rio de Janeiro: Codecri, 1982.

GUARESCHI, Pedrinho. Alteridade e relação: uma perspectiva crítica. In ARRUDA, Angela (org). Representando a alteridade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

MOTT, Luiz. Os homossexuais: as vítimas principais da violência. In VELHO, Gilberto, ALVITO, Marcos (orgs.). Cidadania e Violência. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.

SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.

VELHO, Gilberto (org.) Desvio e divergência: uma crítica da patologia social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.

VELHO, Gilberto, ALVITO, Marcos (orgs.). Cidadania e Violência. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.



[1] Segundo Moscovici, as representações sociais podem ser definidas como “um conjunto de conceitos, proposições e explicações originados na vida cotidiana,  no curso das comunicações interpessoais. Elas são o equivalente em nossa sociedade, aos  mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum”. (Sá, 1996:31)

[2] o conceito de relação fala de incompletudes, de algo aberto que pode ser transformado ou ampliado.