INTRODUÇÃO

JUSTIFICATIVA

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PROJETOS

PRODUÇÃO

INÍCIO

INTRODUÇÃO

 

O imaginário da nação foi pautado em modelo calcado em uma visão etnocêntrica, na medida em que, desde o primeiro momento da colonização, interesses imperialistas contrapunham-se àqueles da população local. Por isso, a empresa expansionista não hesitou em plasmar um ideário que estivesse de acordo com seus anseios. A terra e a população nela contida, quando descritas, sobressaem pelo exótico, pela riqueza e, principalmente, pela ausência de civilização. Todorov, em Nous et les outres (1989), fala acerca do paradoxo constitutivo que caracteriza o olhar europeu diante da terra recém-descoberta. Trata-se de um conhecimento meramente superficial que não caracterizava de fato aquilo que lhe era desconhecido. Por isso, contradições nos enfoques se fazem presentes, sendo o índio, muitas vezes, elogiado e, ao mesmo tempo, chamado de selvagem (aquele que habita a selva), mas também de canalha e de muitos adjetivos negativos que em nada contribuíram para entender o habitante da terra. O canibalismo, por exemplo, não era visto como um ritual em que só os inimigos corajosos eram devorados, em situações especiais, sendo, em muitos relatos, reduzido a algo costumeiro, violento e banal. E a figura feminina, quando descrita, destaca-se por seu estado de pureza paradisíaca à espera de intervenção. Tal mito fundacional foi reeditado à exaustão, de acordo com os discursos, ora da ciência, ora da sociologia. O mito da construção da nação também se faz presente nas construções discursivas das nações colonizadas, que, em um determinado momento de suas histórias, precisavam balizar suas culturas e seus territórios e, no caso da Literatura Brasileira, ocorre durante a Independência política em relação a Portugal.
Essa matriz conceitual aparece em obras posteriores, como em Iracema (1865) de Alencar, quando a índia tabajara, que empresta o nome à obra, é descrita em sua doce sujeição ao branco Martim. Nega a sua origem, em nome da entrega. Alencar, nessa obra, imbuído do programa de descrever o país, por conta do projeto do Estado-Nação, na esteira da Independência política de Portugal, impõe a conciliação como marca da colonização lusa no Brasil. Para tal, oculta qualquer ação que lembrasse violência, com o posterior silenciamento da voz do autóctone. Na segunda metade do século XIX, o discurso da ciência impôs uma coordenada outra à descrição do país e de sua gente, não sendo, entretanto, menos excludente que o anterior. Em O Cortiço (1890) de Aluísio de Azevedo, por exemplo, obra comprometida com a noção evolucionista das espécies, destaca-se a personagem Rita baiana, que, dotada de uma personalidade plena de sensualidade, encerra, na verdade, a teoria tainiana de que o ser humano é produto do meio, da raça e do momento histórico. Tal estratégia encobria, na verdade, a empresa imperialista européia da segunda revolução industrial. O projeto, ora apresentado, Coisas do Gênero: Patrimônio e Cultura visa a identificar a mulher baiana, presente nas obras de Jorge Amado Dona Flor e seus dois maridos (1979), Os Velhos marinheiros: duas histórias do cais da Bahia (1992), Terras do sem fim (2002) e Tocaia Grande: a face obscura (1998) em suas várias relações de classe, gênero e etnia, fugindo, portanto, ao imaginário que a submete a uma série de discursos redutores.
Ao fazer tal pesquisa, poderei estar contribuindo para uma efetiva imagem – através da literatura e do receituário culinário aí registrado – da mulher baiana e, em síntese, da mulher brasileira. Neste processo, defendendo a idéia de que tanto a produção artística, quanto os valores e os saberes veiculados pela literatura, são patrimônio cultural da nação, tal qual foi visto na 17ª Reunião da UNESCO em 1972, quando foram estabelecidas as bases para o início da concepção de Patrimônio Cultural, que incluíssem os bens simbólicos materiais e imateriais. Neste sentido, o Patrimônio Cultural de uma Nação pode ser definido como o conjunto de obras de arte, de monumentos históricos ou literários que pertencem a uma nação e que são objeto de proteção legal por parte do Estado (CARRETERO, 1999).